Proêmio.
§1. A perfeição de cada ciência consiste na redução de suas conclusões a seus princípios: logo, a perfeição máxima de cada ciência consistirá na redução de suas conclusões aos princípios primeiros dentre todos. Ora, a ciência que trata acerca dos primeiros princípios é a metafísica, que é simpliciter sabedoria entre as ciências humanas, à medida que ordena cada uma a seu fim. Com efeito, é próprio do sábio ordenar e não ser ordenado, pois a ele compete o conhecimento do fim de cada coisa, como o arquiteto conhece o fim das obras dos artífices manuais na construção da casa, sendo sábio em relação a eles. Três, no entanto, são os princípios nos quais se pode reduzir toda ciência: ou a um primeiro princípio eficiente – e assim a filosofia natural se reduz, mediante a metafísica, ao primeiro motor; ou a um primeiro princípio formal – e assim a lógica e a matemática se reduzem ao ente, que é a primeira de todas as formalidades; ou a um primeiro princípio final – e assim se reduzem todas as ciências práticas e artes ao sumo bem, que é o fim dos fins. De fato, toda ciência prática parte do seu fim como princípio para suas conclusões, que consistem na eleição dos meios adequados em vista daquele fim, como a ética, em vista da felicidade, elege as virtudes adequadas a ela, e a política, em vista do bem comum, elege as ações apropriadas a ele. Assim, portanto, o princípio de que parte toda política, o bem comum duma pátria ou nação, reduz-se ao sumo bem, objeto de estudo da metafísica, encontrando nesta a política a sua suma perfeição e o fundamento de todos os seus princípios. Segue-se daí, por conseguinte, não só a utilidade, mas a necessidade da metafísica para a posse perfeita duma ciência política e de todas as suas conclusões.
E dentre todas as teses que pudera ilustrar com a sabedoria metafísica, preocupar-me-ei especialmente, agora, com aquela que é fundamento para a nossa sábia doutrina: todo homem deve amar e servir de toda vida à sua pátria e sua nação. Para tanto, eu peço humildemente ao Senhor Deus das ciências, a bondade Teárquica de que se difunde todas as coisas, que possui na supersimplíssima unidade a multidão dos itens encósmicos, a Sua graça para guiar-me e iluminarme, para dispor com as palavras a imagem daquilo que está acima de toda palavra. Invoco também a intercessão da Santíssima Virgem Maria, perfeita adoradora dentre os adoradores daquele sacro redemoinho que atrai para si todas as coisas: que Ela intercedera por mim a santa ciência de Nosso Senhor. Peço também aos santos anjos que me purifiquem do erro, iluminem-me na verdade e consumem na perfeição a minha obra, para que seja, conforme o possível, perfeita imitação da sua santa hierarquia. E dentre os santos, invoco particularmente a São Dionísio Areopagita, cuja metafísica cá aplicarei para o bem desta tão sábia doutrina. Passemos agora, então, à explicação dos elementos bonásticos, ou seja, relativos à BONDADE.
Os elementos bonásticos.
§2. O bem, define a metafísica, é aquilo que todos desejam. O bem do fogo é esquentar, pois ele tende ao calor; o dos viventes, a reprodução da sua espécie, pois é para isso que a árvore dá seu fruto e os animais geram sua prole; o do homem, a contemplação da verdade, pois nisso consiste a sua felicidade. O bem aqui, então, não é assumido só num sentido moral, mas amplamente, num sentido metafísico: é o objeto da inclinação de todas as coisas. Daí que o bem exerça primeiramente a função de causa final, como sobredito, à medida que causa sendo desejado e atraindo, motivando o agente a dispor a matéria à posse da forma, causando assim o efeito. Ora, de todas as causas, a primeira é a causa final, pois o agente não age senão em vista dum fim, e o fim, por sua vez, é desejado por causa de si mesmo, não encontrando em outro o princípio de sua causalidade, senão na sua própria bondade. Daí que o bem é asseverado pelos santos doutores como o difusivo de si, não só porque o bem se difunde, mas tal é próprio dele, tudo que se difunde, difundindo-se por ele. Assim como é próprio do ente existir, também é próprio do bem se difundir e ser o princípio de toda difusão e causalidade. E a causalidade do bem é a mais íntima de todas, pois ele se difunde desde dentro, e nos atrai desde dentro em direção a ele: é desde dentro da causa agente que ele a atrai para si, e só para si, para nele repousar.
O bem, por isso, é chamado de causa das causas. A causa eficiente, material e a formal são todas certas manifestações daquilo que o bem possui internamente. A primeira instância do bem é a causa final, a sua causalidade própria; mas a causa eficiente é o próprio bem, por assim dizer, movendo-se a si, a material, o bem recebendo-se a si, a formal, o bem definindo-se a si, tudo do
modo próprio a cada um. Isso pode ser visualizado numa expressão geométrica: o bem é como um ponto central que, saindo de si mesmo para si mesmo, forma uma circunferência; ora, todo ponto na linha da circunferência nada mais é que manifestação daquele ponto central, a circunferência nada mais sendo que uma difusão a nível expansivo do que o ponto possuía de modo contentivo, uma difusão a nível múltiplo do que o ponto possuía de modo uno. A circunferência é o próprio ponto central estendido: assim também todas as causas são o próprio bem estendendo-se ao modo de princípio de movimento, receptor da forma ou definidor da essência.
O bem é, então, o que estabelece toda causalidade, sendo ele toda causalidade, à medida que toda causalidade é uma manifestação dele. O bem institui para si uma causa eficiente que a deseje, institui para si uma causa material que apeteça uma imagem sua, e institui para si uma causa formal que seja no efeito o que o bem é segregadamente em si mesmo. Qual a razão para isso? Se o bem é já sozinho causa final, por que precisa se difundir em causa eficiente, material e formal? Seria por acaso por um defeito seu? Não, mas por um excesso de sua perfeição, pela qual ele é segregado de toda sua difusão. O bem não pode ser na sua difusão igualmente como é em si mesmo, pois por sua perfeição se segrega de tudo (tanto é que sua causalidade própria é atrair, como quem chama, como se estivesse longe); portanto, só pode ser na sua difusão como mediante uma expressão diversa de si, que seja imagem e um legado seu, assim como o Senhor Deus do universo não aparecia imediatamente aos santos profetas, mas por meio de santos anjos que serviam de imagens para Si, ou um Imperador não está presente em todas as partes do seu império do mesmo modo como está presente em si, mas presentifica-se nelas mediante uma estátua, que serve de imagem de quem ele é em si mesmo. Tal imagem da bondade na difusão manifesta-se na causa formal, que imita no efeito o que o bem é em si mesmo. De fato, o imitador imita também as operações do imitado, assim como é a mesma a ordem que se ouve da voz logo da boca de alguém e da voz num eco desde longe, que é imitação daquela voz da boca: e porque é próprio da bondade difundir-se, também aquela imagem da bondade na difusão se difundirá, a causa formal
convertendo-se em causa eficiente, cuja ação deve ser recebida nalguma causa material, que disporá para o recebimento duma forma que é similar àquela primeira imagem da bondade. Tudo isso, enquanto a própria bondade permanece segregada de suas imagens formais, eficientes e materiais. E assim como podemos dizer que a estátua é o Imperador em pedra, e os anjos, Deus nos espíritos, assim também podemos dizer que a causa eficiente é o bem no princípio do movimento, a formal, o bem no princípio da essência, a material, o bem na recepção da espécie, etc. Tudo, é claro, ao modo de cada um.
Segue-se, portanto, que o bem encerra de forma contentiva em si mesmo, mediante sua causalidade final, todas as demais causalidades. Mas o bem se difunde não só nas outras causalidades, mas dentro também da sua própria: o sumo bem difunde de si os bens particulares, os fins intermediários e os meios para esses fins, e, mediante cada bem particular e fim intermediário, institui em vista de tais as demais causas particulares. E se, por um lado, dissemos que as demais causas são imagem daquilo que o bem é segregadamente, os bens particulares e os fins intermédios são imagens da própria segregação do bem das demais causas, ou, imagens particulares não só do que o bem é transcendentemente, mas da própria transcendência do bem.
§3. E visto que o bem difunde para si toda causalidade, segue-se também que difunde de si toda hierarquia e toda particularidade, pois sendo os inferiores e ínfimos tão incapazes de se unirem por sua própria força ao bem, a bondade os submete aos superiores, a fim de que, por união com a bondade nos superiores, também se unam àquela bondade segregada de toda aquela ordem particular. E o bem é também o instituidor da particularidade de cada um, em virtude, como dissemos acima, do excesso da sua perfeição: pois se pelo excesso da sua perfeição foi preciso que se difundisse em causas que são idênticas a si mesmas, mas umas distintas das outras, pois uma causa não aguentaria sozinha aquela perfeição excessiva do bem, devendo esta ser distribuída em muitas causas, assim como um grande tesouro carregado por muitos homens – se, digo, tal é desta forma, a mesma razão se aplica para o particular, cuja distribuição e multiplicação se faz necessária para suportar com muitos o que um só não seria capaz de aguentar. Daí que o bem, embora segregado e universal, é também instituidor de toda hierarquia, particularidade e individualidade, e também por isso de toda identidade.
Sim, de toda identidade, pois se o individual nada mais é que o próprio universal contraído numa instância particular, e todas as causas e efeitos são o próprio bem contraído ao modo de cada um, aquilo que cada um é, encontra-se primeiramente no seu bem, e é passado deste para as causas e os efeitos, como dissemos acima. Por isso, o que eu sou individualmente, encontra-se primeiro naquilo que o bem é, não como se possuísse de modo confuso o que eu sou de modo distinto, não: pelo contrário, possui de modo muito mais distinto que eu minha própria identidade, em virtude do excesso de sua perfeição, que afasta de si toda confusão.
Não é por conter minha identidade de modo menos limitado que o bem a contém mais indefinida, mas o bem é a própria definição da minha identidade, que é sempre tal qual é em ordem e referência ao bem. Por exemplo, utilizando novamente daquele exemplo geométrico: cada ponto na circunferência nada mais é que uma extensão do ponto central, cada ponto sendo em extensão o que o centro é em contenção, e é por ordem ao centro que cada ponto se distingue do outro, pois se não existisse o centro, não existiria a medida que rege a distância dum ponto ao outro. Assim, não só o ponto na circunferência é em extensão o que o centro é em contensão, mas também a própria distância dum ponto a outro na circunferência é em extensão o que o centro é em contensão (perdoai-me a prolixidade, mas é em função de clareza), de sorte que o centro contém em si a
identidade de cada ponto consigo mesmo, e a distância dum ponto em relação a outro.
O que eu sou individualmente, repito, fui primeiramente no meu bem, mais distintamente, mas mais unitivamente que em mim mesmo
§4. Em síntese, podemos recolher essas conclusões acerca do bem: ele é aquilo que todos desejam, age sendo amado, sua causalidade própria é por meio da atração; ele é difusivo de si e o fundamento e princípio de toda difusão; ele institui pelo excesso de sua perfeição toda causalidade eficiente, material e formal, as quais são em si imagem do que o bem é transcendentemente; o sumo bem difunde de si bens particulares e fins intermediários, que são imagem não só do que o bem é
transcendentemente, mas da própria transcendência do bem; o bem institui para si toda hierarquia e particularidade, sendo a identidade segregada e primeira de cada indivíduo. E isso basta acerca dos elementos bonásticos. Passemos agora aos corolários filopátricos.
Os corolários filopátricos.
§5. O bem alcança todas as coisas do mundo, e não há ente que escape à sua bonárquica causalidade. Por isso, não é admirável que também haja para cada grau da sociedade um bem que lhe seja próprio e que apeteçam. Para a família, célula básica da sociedade há o bem familiar que a atrai e que apetece; para a cidade, o bem civil; para a pátria, o bem patrial; para a nação, o bem comum nacional. Tais bens não são só mero objetivo de cada uma dessas sociedades, mas o primeiro princípio de cada uma delas: tudo que cada uma delas é, é por causa do bem, que as causou atraindo, visto que a atração é a causalidade própria do bem. O bem, atraindo cada coisa a si, constitui cada coisa naquilo que é, como dissemos supra e exporemos melhor infra; o bem atrai, no entanto, mediante o AMOR, pois ele causa sendo amado. Por amor dum e do mesmo bem os familiares são unificados numa família, os cidadãos, numa cidade, os compatriotas na pátria e os conterrâneos numa só nação nação. E como o bem se encontra não só em si mesmo, mas contraidamente em tudo que tende a ele, se uma família é unificada por amor a este bem, este bem existindo no chefe daquela família, em cada familiar e na própria estrutura familiar, cada um deverá amar o seu próximo, como sendo um modo de manifestação daquele bem familiar a que são atraídos. O cidadão deverá amar seu conde (ou prefeito), seus concidadãos e as leis e funções orgânicas, que constituem a estrutura cidadã. O patrício deverá amar seu rei, seus compatriotas e as leis e funções patriais. Enfim, o nacional deverá amar seu imperador, seus conterrâneos e as leis e funções nacionais, cada um destes sendo um modo de manifestação daquilo que é primeiramente amado por si mesmo, o bem nacional, ou patrial, ou cidadão, ou familiar.
(Ocorre, é claro, que há chefes de família malignos, condes perversos, reis viciosos e imperadores iníquos. Será, por acaso, que eles devem ser amados? Deve-se fazer aqui uma distinção: embora um chefe de família seja mau, a sua autoridade de chefe não é má, pois ela é manifestação bem, embora ele seja uma corrupção dessa manifestação. O familiar, enquanto tal, deve amar a autoridade do chefe da sua família, que é per se a manifestação do bem familiar, mas não o chefe enquanto iníquo, pois sua iniquidade não é manifestação do bem familiar, mas é própria só dele, e nisso deve ser odiado. Desta forma, o que um chefe iníquo ordenar que não seja contrário à manifestação do bem familiar, ou cidadão, ou patrial, ou nacional, deve ser obedecido, não por causa de si mesmo, mas por causa do bem que se manifesta na sua autoridade; o que for contrário, porém, não deve jamais ser obedecido. E caso a impiedade do chefe, qualquer que seja, for muito grande a ponto de impedir a vida aquela manifestação bonárquica, ele deverá ser deposto de sua autoridade, em favor da própria bondade da autoridade que é um modo de manifestação do bem daquela família).
§6. E repetindo o que dissemos acima, mas agora de forma mais clara, o bem é difusivo de si e princípio de toda difusão. Ele se difunde a si em si mesmo, o sumo bem aspirando os bens particulares e fins intermediários, e a si mesmo em outros, cada bem sendo princípio dos gêneros cognatos de causalidades. E em todas as causas é ele que institui a hierarquia e a submissão do inferior ao superior, atraindo para si o que está longe mediante o que está perto. A razão para isso, como dissemos acima, é o excesso de perfeição do bem, que é tão ilimitado e infinito que procura ser não só em si mesmo, como também em outro. Com efeito, é próprio do infinito abranger em si o outro, e o outro abrangê-lo em si, assim como uma forma infinita é tanto aquela que pode acomodar em si todas a formas, como o intelecto, ou aquela que pode ser recebida em muitas formas, com a alma em muitos corpos: é próprio da infinitude ser um eu que é todos, e um todos que é eu, pois o eu não é limitado a si mesmo a ponto de não poder possuir o outro, e o todo não é assim carente a ponto de excluir um eu. Além disso, é próprio da infinitude não ser contida por algo: assim, sendo o bem infinito, não se contém a si mesmo, derramando-se para fora, como bem diria Plotino, o vice-rei dos amigos da bondade. O bem, então, é como uma luz infinita, que não admitindo para si mesma fronteiras, refrata-se num infinito arco-íris, sendo na multiplicidade de cores tudo aquilo que era transcendentemente em si mesma: decerto, a luz possui em si todas as cores.
E entre as inumeráveis cores em que se manifesta os raios bonárquicos (ou seja, que se originam do principado da bondade e do bom princípio), um deles é o homem, pois o homem é não só de forma mimética e participativa o que o bem é infinitamente e por si, mas também, de certa forma, imagem da própria infinitude do bem, pois pelo seu intelecto, sua alma é, de certo modo, todas as coisas, como diria o príncipe dos filósofos – e o homem é manifestação da bondade não só individualmente, como também comunitariamente. Na verdade, primeiro comunitariamente que individualmente. Efetivamente, o bem particular está para o comum como o meio está para o fim, pois assim como o meio é relativo ao fim, as partes são sempre relativas ao todo, o coração relativo ao corpo, as premissas relativas ao raciocínio, etc. Ora, os meios são cada um eleitos em função do seu fim, há primeiro o fim que os meios, e a bondade do fim é desejada primeiro que a bondade dos meios: logo, o também os bens particulares são cada um eleitos em função do bem comum, e primeiro há o bem comum que os meios, e a bondade do bem comum é desejada primeiro que a bondade dos meios. Assim, os bens intermediários são de forma particular o que o bem superior é de forma comum, e assim, surgem a partir do bem comum, como a cor surge a partir da luz.
Desta forma, segundo a causalidade do bem, há primeiro a sociedade que o indivíduo, e, singularmente, primeiro a nação que a pátria, e primeiro a pátria que a cidade, e primeiro a cidade que a família, e primeiro a família que o indivíduo, pois este surge daquela, e aquela, da cidade, e a cidade da pátria, e a pátria nasce da nação. E isso, porque o bem, difundindo-se na sua própria causalidade, desce da nação até o indivíduo, e a partir do bem próprio a cada grau social, causa também cada grau social.
Mas, alguém poderá questionar, como fora isso possível, se parece que a família se desenvolve a partir do indivíduo, e a cidade a partir daquela e assim por diante? A isso respondemos com o famoso ditado filosófico: o que é primeiro na intenção, é último na execução. Assim, primeiro amamos o fim, e depois elegemos os meios, na nossa intenção; na nossa execução, porém, primeiro aplicamos os meios, e por último atingimos o fim. E ainda assim, dizemos que os meios surgem do fim, porque são desejados por causa dele, conforme a causalidade do bem. E desta forma, o primeiro na ordem da intenção é o bem da nação, embora o primeiro na ordem da execução seja o ser do indivíduo (pois, como diria o Livro das Causas, “o ser é a primeira das coisas criadas”), e ainda assim não é menos certo dizer que o ser do indivíduo surge e é efeito do bem da nação, conforme há pouco explicado.
Em síntese, o bem individual surge a partir do bem social, e assim, o homem surge a partir da sociedade, segundo a causalidade do bem, embora a sociedade a partir do homem, segundo a causalidade do ente.
§7. E se agora provamos isso com base na difusão do bem em si mesmo, isso fica mais evidente na difusão do bem nas outras causas. Como dissemos, os bens particulares imitam os mesmos movimentos do sumo bem, como os ecos carregam as mesmas mensagens da voz na boca de quem fala, ou as sombras imitam os mesmos movimentos daquele que corre contra a luz. Assim, como o sumo bem institui para si causas eficientes, materiais e formais que sejam imanentemente o que ele é transcendentemente, também os bens particulares na sociedade, ecos e sombras daquele bem universal, estabelecem para si agentes, matérias e formas sociais, que sejam manifestações na sociedade do que aqueles bens sociais são em si mesmos no mistério de sua bondade e no enigma de sua finalidade.
Os boniformes (ou seja, de forma boa) agentes sociais são os líderes; as matérias, as pessoas; as formas, as leis que regem as pessoas. E como há vários graus sociais, há também vários graus de cada causalidade: os líderes da nação são os imperadores, os da pátria, reis ou duques, os das cidades, condes ou prefeitos, e os das famílias, o pai; as matérias da nação são os conterrâneos, da pátria, os compatriotas, os da cidade, os concidadãos, e os da família, os familiares, por certo; as formas da nação são as constituições, da pátria, as legislações, da cidade, as leis orgânicas, da família, as providências patriarcais.
Vê-se, assim, que o fundamento dos governos está muito além de qualquer desenvolvimento social violento, voluntário ou até mesmo convencional, mas fundamenta-se na própria bondade de cada grau social, que reside primeiramente em si mesma, não precisando naquele gênero de causas ser fundamentada senão em si mesma, sendo ela o fundamento para as outras. Assim como a substância não existe em um sujeito, mas reside em si mesma e é fundamento dos acidentes, assim como os princípios não são provados por outros raciocínios, mas são por si evidentes e princípio da evidência dos corolários, também os bens sociais fundamentam-se em si mesmos e são fundamento de todas as outras causalidades, inclusive a dum Estado.
E antes de passarmos para os corolários próprios desta propriedade, provemos o que prometemos no parágrafo anterior: o indivíduo é feito em vista do bem, porque o bem é origem total de todas as causas, e total, porque abrange não só uma espécie das causas, mas sua causalidade se estende até às partes mais ínfimas. E dentre todas as causalidades, a última é de certo a material, pois é a mais imperfeita e a última ressonância do bem; e dentre todas as partes da matéria, que é o povo, a parte mais ulterior é o indivíduo, pois ele é o mais particular, e o mais particular é o que mais resume a razão de parte (daí seu nome). Por isso, o indivíduo é a última ressonância da bondade social, e a última pululação do bem comum.
Tratemos agora da propriedade respectiva a essa parte, isto é, que o bem é causa das causas. Ora, como, conforme os elementos bonásticos algures citados, o bem é nas causas o que é segregadamente em si mesmo, o bem nas causas deve ser imagem também das propriedades do bem enigmático, que são a luz, a beleza, o amável, o amor, a dileção, o zelo, a supressão de todo mal, a redução a todo bem, etc. Além disso, como o bem, sendo o fundamento das demais causas, deve, por isso, ser intransmutável (pois o fundamento deve permanecer, como base do que sobrevém a ele), assim também as demais causas, imagens desse bem enigmático, devem ser imagem da uniformidade, da permanência, da intransmutabilidade do bem. Daí que a sociedade mais perfeita será aquela onde os agentes boniformes não mudam, as leis boniformes são o mais possível constantes, e os povos estejam constantemente unidos a essas leis.
§8. Mas qual o fundamento da uniformidade de cada uma dessas coisas? Vemos, dentre as causas do mundo, que não há necessidade de muitas causas se sucederem para a mesma geração se uma, sozinha, contém a força de todas. Ora, a força do bem nos agentes manifesta-se nas virtudes, pois as virtudes são forças que dispõem a vontade a praticar habitualmente o bem. Por isso, o agente deverá ser virtuoso, em todos os graus, para reger os seus súditos (e, conforme dissemos acima, como a bondade se manifesta primeiro na autoridade do agente, e depois no indivíduo que recebe essa autoridade, assim também as virtudes: a autoridade possui por si uma virtude própria sua, e o indivíduo, enquanto agente daquele grau, é virtuoso enquanto recebe em si as virtudes próprias da autoridade que é manifestação eficiente do bem na sociedade. Se este indivíduo for gravemente vicioso, não terá mais direito da autoridade de líder, como uma lâmpada queimada já não tem mais o direito de ser a fonte da luz para o átrio onde está, e deverá ser deposto como esta deverá ser trocada). Portanto, como as virtudes são a força dos agentes bonárquicos, também será o fundamento da uniformidade deles. Essas virtudes dispõem-no à participação boniformemente una do monarquia boniforme, pois as três primeiras manifestações do bem são a luz, a beleza e o amável, como dissemos, e para cada uma dessas manifestações há três virtudes correspondentes: para a luz, a sabedoria, o entendimento e a ciência; para a beleza, a prudência, a prática e a arte; para o amável, a justiça, a fortaleza e a temperança. Essas três hierarquias de virtudes é o que capacitarão o monarca à sua uniformidade, não sendo necessário que o povo o substitua, pois ele será em si manifestação da bondade: pelo que, ora, o povo substituiria a bondade, senão pelo mal? E como o direito não dispõe ao mal, e não há direito de trocar o bem pelo mal, nem há direito de trocar um boniforme monarca por um próximo. A mais perfeita democracia, portanto, não se estende a isso. A única exceção será quando o monarca não for boniforme, donde decairá por si mesmo da autoridade de monarca, sendo então submissos aos poderes da aristocracia e democracia, podendo assim ser substituído por um outro, contanto que seja virtuoso.
Procedendo analiticamente agora, é sumamente necessário que a primeira hierarquia das virtudes seja regente sobre a segunda, e a segunda, sobre a terceira, e a sabedoria seja a rainha de todas. Com efeito, as virtudes, como sobredito, são configurações dos agentes àquelas processões da bondade que citamos acima, e as processões da bondade são também, de certo modo, configurações transcendentais à própria bondade. A luz é a bondade luminosa, a beleza é a bondade bela, o amável é a bondade amativa: por isso, cada uma dessas manifestações é imagem do que o bem é transcendentemente, a luz mais assimiladamente que a beleza e o amor, pois serve de fundamento para todas essas. Não se ama coisas feias, nem se deleita de coisas obscuras. Por isso, a primeira hierarquia, correspondente à primeira processão, deverá ser regente sobre a segunda. Mas na primeira hierarquia, à sabedoria é a que mais compete o ser imagem do bem, pois é a ordenação inteligível e a intelecção ordenante das coisas a um bem, e não a qualquer bem, mas ao bem supremo, pois ela é o conhecimento das causas supremas, como dissemos no proêmio desses corolários filopátricos. Por isso, embora as virtudes da primeira hierarquia sejam todas imagens do bem, a sabedoria é como o terceiro céu, que transmite aos outros a luz que recebe do sol que está acima de todo céu, separado de todos os astros. Por isso, dum monarca boniforme, a primeira coisa que se espera é a sabedoria. E o monarca será para seu sucessor como um mestre em direção ao sol, para que seja este para a nação o que a bondade primitiva foi para ele. A sabedoria, então, será o primeiro fundamento de toda uniformidade, intransmutabilidade e permanência monárquica, embora não seja suficiente sozinha, mas é dentre todas a mais necessária.
Em corolário, o agente principal numa sociedade não deve ser uma multidão, nem grande, nem pequena, mas sim uma unidade, porque assim o requer a perfeita imitação da bondade uniforme; deve ser um agente que permanece, uniforme, um que não muda de quatro em quatro anos; deve ser um princípio que contém em si primeiramente e é exemplar de toda ordenação e pré-disposição popular para as leis, que devem ser boniforme imitação de sua configuração ao bem. Por isso que não só chamo a este agente principal meramente de governo, como querem os últimos filhos do capital por medo daquele que dizem ser o “monopólio da violência”, nem de conferências proletária, como querem os filhos da revolução, que acusam aquela primeira manifestação da bonarquia de atentar contra o bem geral dos trabalhadores, mas chamo-o deveras de ESTADO, como querem os filhos da bondade, que reconhecem que assim é que perfeitissimamente se difunde na sociedade humana, o sumo bem, princípio dos princípios, causa das causas:
Santo dos Santos, Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Deus dos Deuses.
A quem seja a honra, o poder e a glória pelos séculos dos séculos. Amém.
§9. Por outro lado, qual será o fundamento da uniformidade das leis? Devemos entender que a causa formal está para a causa eficiente, como a causa eficiente está para a final, pois assim como o agente apetece ao bem para possuí-lo, a causa formal se inclina ao agente, para imitá-lo, pois, como diz o príncipe dos filósofos: “todo que é perfeito busca produzir algo similar a si
mesmo”. Assim, nessa proporcionalidade, o fundamento da uniformidade das leis consistirá na própria uniformidade do agente monárquico boniforme, assim como a constância da luz refletida depende da constância da fonte luminosa. A forma é imitação do agente, e assim também a uniformidade da forma será imitação da uniformidade do agente. E se a uniformidade do agente se dá, como dissemos, pela virtude, a forma será imitação das virtudes do agente: se no agente as virtudes serviam para pô-lo na constância da autodifusão do bem, as virtudes nas formas servem para pô-la na imitação da bondade, na agatomímese, que comunica toda espécie de bondade e afasta toda contrariedade maldosa, assim como, entre os efeitos naturais, a forma põe o composto na sua espécie e é incompatível com toda outra espécie. Na sociedade esse efeito positivo da agatomímese se manifesta nos preceitos, e esse efeito negativo, nas proibições.
Mas as leis não mudam, por acaso? Mudam sim, mas a forma por si tende à permanência e imutabilidade, variando não por si mesma, mas pelas últimas ressonâncias da uniformidade, ou seja, pela variação dos indivíduos. Nossas partes corpóreas, por exemplo, não são as mesmas na velhice e na infância, mas sucedem-se segundo a troca das células e das nossas partes biológicas (em seis meses todas as nossas células já são completamente outras!); ainda assim, a nossa figura corpórea permanece parcialmente a mesma desde o começo até o fim, e parcialmente diversa, acompanhando a variação e sucessão das partes: são parcialmente a mesma naquilo que há de comum com todos os homens, mas parcialmente diversas naquilo que é próprio deste homem. Assim, a permanência das leis é devida a universalidade do bem em si e do bem no agente, mas a sua variação, à particularidade sucessiva dos indivíduos, que são a última ressonância da uniformidade, como as células são a última ressonância da alma no corpo orgânico. Daí que a constituições são as mais imutáveis, mas as economias são mais variadas.
Em síntese, o fundamento da uniformidade boniforme das leis é a universalidade do bem em si e do bem nos agentes, e toda sua variação devida às últimas partes do povo.
§10. E qual seria o fundamento da uniformidade do povo, causa material? Ora, se a causa formal é por si uniforme, digo, em função da agatomímese daquela transcendência boniforme, por outro lado, a causa material é por si variação, pois não é, como a forma, imagem atual do bem, mas só imagem potencial. Por isso, para manter-se una, precisa de participar da unidade formal que já é partícipe da unidade bonástica. Mas para participar da unidade da forma, precisa ser predisposta a ela pelo agente. Pois a matéria é em si indeterminada a todas as formas, e não é necessitada a uma mais que a outra senão por disposições que a põem diante (daí o nome) da forma que deverá assumir – e isso não deve ser feito só uma vez e depois abandonar a matéria a si mesma, mas a ação dispositiva deve ser contínua, pois a matéria é por si variante, como dissemos, decaindo das suas disposições. Assim, a uniformidade da disposição da matéria é a uniformidade do agente, mas a uniformidade de formação da matéria é a uniformidade da forma, que é por participação daquela do agente. E ora, assim como na matéria as disposições são aquelas que assimilam cada vez mais a matéria à sua forma, assim também no povo as disposições são aquelas que o assimilam da vez mais à imitação e prática das virtudes.
Por sua vez, as disposições na matéria fazem afastar dela todo impeditivo da forma, e lhe põem todo aproximativo dela. Por isso, também as disposições na matéria devem ser com proibições e preceitos, assim como dissemos acerca das formas, pois as disposições também são formas (só formas dispõem para formas), mas não são proibições e preceitos que terminam em si mesmos, mas são como que meios em vista das proibições e preceitos formais, aqueles que dissemos acima. E falando mais claramente, leis formais são aquelas que são expressão do que cada virtude é, e as leis dispositivas são o caminho e o meio para o povo alcançar cada virtude. As leis dispositivas geram o povo na virtude aos poucos, as leis formais, mantêm-no neles, assim como a forma mantém o composto na sua espécie.
§11. Por isso, ó irmãos meus que me ledes, não é justo que o povo, que propriamente se reduz a essa causa material, seja o princípio regente duma nação, pois, como o príncipe dos filósofos dizia: “se o primeiro princípio for a matéria, tudo o mais será por acaso”, e no acaso não há sabedoria, e, portanto, nem bem; nem, também, é justo que aristocratas, que se reduzem propriamente à causa formal, pois eles é que são, por assim dizer, as leis para o povo, votando-as e decidindo-as, também sejam os regentes principais do povo, como a causa formal não é perfeição da matéria por si mesma, mas por influência da causa agente, que uniu está àquela: o mais justo de todos é que o monarca boniforme seja o agente principal, conforme sobredito. Ainda assim, todos eles têm as suas devidas operações. Não vemos que há decerto em nós mesmos operações que são
próprias do corpo, outras, próprias da alma, que é foram do corpo, e outras, próprias de Deus, que é Criador da alma? O corpo possui as suas operações variantes, a alma lhe impõe as regras uniformizantes, e o Criador cria a uniformativo da alma. E penso que isso seja suficiente quanto a essa propriedade do bem aplicado ao nível social, a saber, que ele é causa das causas.
§12. Segue-se que tratemos agora dos dois últimos elementos bonásticos: o bem institui toda hierarquia, e é a primeira identidade dos indivíduos.
Toda hierarquia é imagem e imitação da bondade, que se difunde ordenadamente, do maior para o menor, através de todos os graus, em função do excesso supersimplíssimo da bondade. Além disso, numa série de hierarquias, a hierarquia inferior é imitação da hierarquia superior, conforme foi dito nos elementos. E como o movimento da bondade é análogo em tudo que se encontra, por isso encontra-se nas causas também essa difusão hierárquica, ou dentro das próprias causas, ou duma causa para outra (pois algumas causas são tão imperfeitas que não acomodam em si qualquer superioridade pela qual possam reger algo em si mesmas, mas só a possibilidade de serem regidas).
A princípio, toda hierarquia mundana é imagem da hierarquia supramundana, como São Dionísio Areopagita diz no Hierarquia Eclesiástica: esta hierarquia é imagem da hierarquia dos anjos, como também as nações, mas a Igreja sendo imagem do que nos anjos é sobrenatural e relativo à economia da salvação, e, por assim dizer, já as nações, imagem do que nos anjos é natural. Assim, se os anjos não fossem santos, não haveria hierarquia eclesiástica, mas ainda poderia haveria hierarquia nacional. Daí que a Igreja nunca pode acomodar dentro de si uma hierarquia satânica, mas algumas nações, podem sim, visto que os demônios também têm hierarquia.
E como o topo da hierarquia superior é conduzido pelo movimento do ínfimo da hierarquia superior, também o líder da nação, da pátria, da cidade e da família terá seu próprio anjo, providencialmente confiado a ele por Deus, que será o mensageiro e o intérprete da transcendência bonárquica relativa ao bem cognato a cada grau; todavia se para o imperador há um anjo particular, para a nação em geral não há um anjo, mas sim um Arcanjo, assim como era um o arcanjo que regia Israel, outro o arcanjo que regia o Egito, outro o que regia a Caldeia, etc., enquanto que os líderes eram proximamente regidos por anjos, e não por Arcanjos.
E assim como o chefe da Igreja deve submeter-se à devoção ao santo anjo que preside o hierarca eclesiástico, a fim de receber dele a purgação, e, por meio dele, a iluminação dos Arcanjos e a perfeição dos Principados, assim também o chefe de cada grau social. E na ausência dum chefe bom, o povo pode e DEVE recorrer ao anjo particular do grau social e o arcanjo geral de toda a nação, para que estes supram a falta daquele.
§13. Mas deixemos a hierarquia angélica para outro livro, o que dissemos foi o necessário. Por outro lado, assim como o bem possui, pela sua causalidade final, segundo o excesso de sua supersimplíssima perfeição, todas as outras causalidades: a eficiente, a formal e a material, também as causalidades anteriores possuem a sua própria causalidade e a de seus posteriores. A causa eficiente possui pela sua causalidade eficiente um grau supremo, que é a agente, um grau posterior, que é correspondente à formal, e um grau último, que é correspondente à material; a causa formal, por sua vez, possui pela causalidade formal um grau supremo, que é próprio seu, de formal, e um grau ínfimo, que é correspondente à matéria; a causa material, por sua causalidade material, só possui como grau a si mesma, como fosse a última ressonância da causalidade – em compensação, nesse grau próprio seu, contém potencialmente o composto.
Trataremos primeiro da hierarquia eficiente da sociedade e depois, da hierarquia formal. Não há uma hierarquia material que possamos tratar, mas será útil tratemos do seu grau, em relação às outras hierarquias.
Mas por ora, fique já patente que essa hierarquia é a mais perfeita de todas. Pois somando todas as contenções de todos os graus, que vão da hierarquia do bem até à enfermidade da matéria, há uma soma de 4+3+2+1, que resulta no dez, que é o número da perfeição. Por isso, nessa hierarquia natural da nação, não se faz necessário uma outra hierarquia maior, como se houvesse um regente natural que regesse um conjunto de impérios ou nações, conforme o que impiamente é defendido pela Nova Ordem Mundial, que sejam malditos para sempre! Mas eu digo natural, porque a Igreja é regente de todos segundo uma ordem sobrenatural, e nela também se manifesta uma hierarquia que termina em dez, e também a hierarquia celeste, de que participa, termina em dez, de certa forma (os nove coros de anjos são regidos por Deus sob o exemplar dos anjos, assim como as três ordens da Igreja são regidas por Jesus Cristo na natureza humana e na pessoa do Sumo Pontífice). Recomendo ao dileto leitor o Hierarquia Eclesiástica e Hierarquia Celeste para o melhor entendimento disso.
A hierarquia eficiente é submissa à hierarquia final, à medida que todas as suas operações são em vista dum fim, e cada uma são imagens dos movimentos imutáveis do bem em direção a si mesmo. A operação própria da hierarquia eficiente é a causalidade eficiente, pela qual é gerado o composto pela movimentação da potência ao ato; a operação formal da hierarquia eficiente é a causalidade exemplar, pois toda causa procura fazer aquilo que é similar a si mesmo, além de a causa ser a medida e a regra de seu efeito, o bem na causa eficiente procurando difundir-se no que é de imitação dele num efeito; a operação material da hierarquia eficiente é a causalidade dispositiva, conforme explicamos, enquanto o agente procura dispor suficientemente a matéria para o recebimento da forma. E assim, pela agência, rege o composto, pelo exemplar, rege a forma, e pelo disposicionamento, a matéria.
E isso, correspondentemente à sociedade, é respectivo a três graus de poderes: a agência à monarquia, a exemplar à aristocracia, e à dispositiva à democracia, pois ao monarca compete o causar efetivamente a boa estrutura nacional através de movimentos generalíssimos e uniformes, e aos aristocratas o serem exemplares, pois as leis, que são as formas e medidas das operações populares, e aos democratas o serem disposições, pois os democratas são os que mais conhecem as próprias necessidades, as próprias privações, os impedimentos, facilidades e proximidades às leis que devem cumprir.
A hierarquia formal é submissa à hierarquia eficiente, à medida que todas as suas operações são causadas pelo agente e são imitações da bonarquia efetiva. A operação própria da hierarquia formal é a causalidade especificativa, referente ao composto, e a operação submissa é a causalidade dispositiva, referente à matéria. A causalidade especificativa refere-se às constituições e legislações mais universais, enquanto que a causalidade dispositiva, referente à matéria, refere-se às leis mais orgânicas, que apropriam a cada família e cidade a aplicação das leis mais uniformes.
Mas ora, não dissemos acima que as leis dispositivas eram algo da causalidade da matéria? Como então dissemos que é uma causalidade da forma? Devemos responder que há duas espécies de disposição: a disposição remota e a disposição próxima. A disposição remota são certas qualidades durante a geração, o vir-a-ser do composto, enquanto que a disposição próxima são certas qualidades do composto já estabelecido no ser, que permitem a permanência da especificação da forma. A disposição remota é causada pelo agente, ao passo que a disposição próxima resulta naturalmente da forma. Assim, essa causalidade dispositiva da hierarquia formal refere-se simpliciter a essa disposição próxima, enquanto que a uniformidade da causalidade material refere-se simpliciter à uniformidade das disposições remotas; por outro lado, a causalidade dispositiva da hierarquia formal refere-se secundum quid às disposições remotas (porque elas são também formas, mas formas passageiras), enquanto que a uniformidade da causalidade material refere-se secundum quid às disposições próximas. A razão para isso é que o que é simpliciter num gênero de causas pode ser secundum quid noutro gênero de causas, pois o que é primeiro em uma pode ser último em outra, como o efeito é primeiro na causalidade final e último na causalidade material. Por isso, não obsta que as leis dispositivas se refiram a causalidades diversas, mas simpliciter ou secundum quid sob razões diversas.
§14. Já a causalidade material, não possuindo hierarquia, é toda súbdita e submissa às causalidades e hierarquias anteriores. Ainda assim, como nela se considera per se e primeiramente as variações, é bom que tratemos agora acerca do desenvolvimento histórico.
O movimento e a variação existem pela impossibilidade de a matéria receber imediatamente e simultaneamente aquela perfeição imutável e invariável do bem segregado, misterioso e enigmático. Como bem diria Platão: “o tempo é uma forma imperfeita de participar da eternidade”, também a história é uma forma apropriada à matéria de participar das moções
imutáveis da bondade em direção a si mesma, ela, que, por assim dizer, rotaciona em si mesma, sem sair do seu lugar, movendo-se imutavelmente, e, na sua rotação, arrasta translativamente todo o céu ao entorno; ela, que, digamos assim, qual um redemoinho que cai em si mesmo giratoriamente, atrai translativamente tudo que se encontra ao seu redor. O bem é sucessivamente na história o que é simultânea e eternamente em si mesmo.
Existe, no entanto, três espécies de movimentos históricos, aplicando o que o divino Doutor Celeste também explica nos seus Nomes Divinos: o movimento linear, o circular e o helicoidal. O movimento linear é aquele onde o princípio e o fim são diversos, havendo desenvolvimento de um para outro, assim como há da família para a cidade, da cidade para a pátria, da pátria para a nação; o movimento circular é aquele onde o princípio e o fim são um só, havendo um repouso através do tempo diante dum mesmo centro, que, neste caso, é o bem; o movimento helicoidal é um composto dos dois, onde o princípio e o fim são diversos, mas há variadas repetições muito similares dum ponto a outro, como numa espiral.
O bem é, digamos assim, o espírito que rege toda essa movimentação. Ele é o vento que assopra as velas do barco: não se sabe de onde vem, nem para onde vai, mas que continuamente o conduz pelo oceano das terras.
Existe uma história ideal para cada nação, pátria, cidade e família, e outra história factual. A história ideal é aquela que ocorreria caso todos os graus das nações fossem perfeitamente preparados para a recepção das imagens boniformes; a história factual, por outro lado, é a que resulta duma contraformação a essas imagens, terminando numa história distorcida do caminho que haveria de seguir. Ainda assim, embora os graus sociais fujam de seus bens particulares, nunca fugirão de seus bens comuns e gerais, assim como a corrupção dum composto não o faz cair no nada, mas permanece na existência sob outra forma através de outra geração.
E não há uma história de nação tão distorcida que ainda não ressoe aquela história ideal que haveria de possuir. E assim como não há, dentre as coisas naturais, uma tão profunda violência em que não haja um mínimo de naturalidade (pois a geração pode ser violenta em relação à forma a ser corrompida e às disposições que a seguram, mas é natural em relação à matéria-prima desnuda), assim também não há na história duma nação uma tão profunda distorção onde não haja uma ressonância do bem, por obscuríssima que seja. O bem é, na movimentação, suave, sutil, natural, pacífico, carinhoso e zeloso, o bem nunca força, mas sempre atrai e nos convence com sua beleza. A história ideal de cada nação é também suave, sutil, natural, etc. Ainda assim, não pelo próprio bem, mas por uma indisposição da matéria nacional, ela prefere seguir um caminho áspero, grosso,
violento, agressivo, indiscriminativo, desatento. E infelizmente, é o mais comum. Mas ainda assim, não remove a legitimidade do Estado, assim como a impiedade e iniquidade é o que há de mais comum na biografia dos homens, sem que, ainda assim, isso remova a bondade radical da natureza humana. E assim como não há homem que seja tão podre que careça universalmente da bondade, não há Estado tão perverso e desgraçado que careça universalmente da participação na bondade.
Mas recordando agora dalgo que esqueci de falar acima: se é no bem comum, como no próximo parágrafo diremos, onde existe primeiramente todo indivíduo, e o bem é na história temporalmente o que é em si mesmo eternamente, assim, toda história do indivíduo é participação da história da nação, e uma ressonância, imitação dinâmica da história nacional. Cada um de nós é, contraidamente, a história do próprio Brasil, e imitamos desde a sua origem até o seu fim, mas de forma misteriosa. Cada vida e morte individual é como uma letra da crônica brasileira. Cada brasileiro tem sua descoberta por um Pedro Álvares Cabral, uma luta pela independência, um grande monarquia em sua vida, uma queda na república e um desaguado numa democracia liberal,
depois a conquista autoritária de ditaduras e os problemas duma democracia social. Mas cada um, é claro, de acordo com sua diversidade, repetindo essa mesma história brasileira a seu próprio modo.
De fato, o bem é eterno e indivisível, e não pode se encontrar parcialmente numa parte da história e parcialmente em outra, mas todos participam particularmente de tudo o que o bem é. Toda a eternidade do bem se encontra em todo instante histórico. Assim também, toda a história do Brasil, imagem dessa bondade eterna, encontra-se em toda biografia brasileira, em todas as décadas, em todos os anos, em todos os meses, em todos os dias, em todos os agoras. Depende de nós que nos movamos em direção ao centro de nossa história.
§15. Resta, enfim, que nós tratemos da identidade do indivíduo, para então concluirmos, após toda a coletânea de teses nacionalistas, o corolário filopátrico.
O bem é a primeira identidade de todas as coisas, de todos os bens particulares, como dissemos acima, pois os bens particulares são tais em ordem e função aos bens universais, cada bem particular sendo um todo que é um, um todo que é eu. Pois, como sobredito, a causa precisa conter antecipadamente as perfeições do efeito, e a causa mais perfeita, de forma mais distinta, e não confusa. Por isso o bem contém simplesmente as complexidades que distinguem um indivíduo do outro, com o centro contém monadicamente as distâncias dum ponto a outro na circunferência.
Desta forma, como a primeira perfeição do efeito é na causa, o meu primeiro eu foi no meu bem, donde vim, donde fui difundido. E como o bem particular social difunde-se do bem universal social, o meu primeiro eu foi primeiramente no bem da minha nação, e o bem da minha nação se encontra todo em mim, junto com sua história e todas as suas propriedades. Encontra-se em mim, é claro, de forma contraída, sendo eu manifestação de tudo que ele era antecipadamente em relação a mim. Por isso, utilizando o mesmo exemplo de antes, assim como eu posso dizer que a escultura é todo o Imperador em pedra, eu sou todo o bem em mim, sendo imagem particular de tudo o que o bem é. Por isso, o meu primeiro eu em mim não é um eu, mas é um todos, um nós, e um nós não separado, mas um nós unido na supersimplicidade indivisível do bem. Nele, todos os nossos eus eram um só, objetivamente distintos, mas entitativamente unidos. E como eu sou tudo o que o bem é, eu também sou todos nós, de fato: é claro, de forma própria e individual a mim, pois eu tenho minha própria individualidade.
A primeira coisa que eu sou, então, o bem de minha nação, e depois, todos nós, conterrâneos, e só no fim, um Dionísio Queiroz, um eu que é meu. Então, se eu devo me amar, devo amar primeiro onde eu primeiro estive: naquela bondade transcendente onde se continham todas as coisas; após isso, todos nós conterrâneos, pois sou primeiro o bem universal, para então ser
particularizado no bem individual. Só por último eu devo me amar a mim mesmo. E devo me amar em ordem a nós, a nação, e a nação em ordem ao bem nacional transcendental. Por isso, como é pior odiar o bem comum que o particular, sendo aquele mais nobre que este, odiar minha nação é muito mais grave que se eu odiasse a mim diretamente, a mesma razão valendo para a pátria, para a cidade e a família, pois eu sou primeiramente todas essas coisas, e só por último eu mesmo, como sendo a última imagem, a última manifestação, daquele sumo bem omnitranscendental e omnicontentivo, que na supersimplicidade de sua unidade contém todos nós unidos, nós todos também sendo imagem dessa união, manifestação dessa simplicidade. Se perdermos essa união, deixaremos de ser quem somos, como uma estátua perde o significado não havendo quem
represente em si.
Nós somos tomos, numa última analogia, muitas palavras sinônimas, que significam o mesmo conceito, mas com conotações diferentes: a individualidade última e a última diferença está na voz e na conotação, na consignificação, mas o que há de principal, a significação, o conceito, a coisa significada, nisso tudo somos primeiramente um só.
Eu devo amar a mim mesmo? Devo amar primeiramente a minha nação. E este é o corolário do amor da pátria: se devo amar a mim mesmo, é porque devo primeiro amar minha nação. Como a minha identidade se funda no bem de minha nação, também meu amor próprio no amor de minha nação.
Eu sou o Brasil.
Epílogo
§1. E terminamos assim a fundamentação metafísica do nacionalismo e do patriotismo. Ao longo de todo esse trajeto, com os princípios metafísicos expostos nos elementos bonásticos, provamos não só que devemos amar nossa nação, mas também qual a melhor espécie de governo, o fundamento de todas coisas públicas, dos povos, das histórias, da identidade de cada indivíduo, do espírito do povo e de cada conterrâneo. Mostramos que o Estado tem seu fundamento não só em convenções sociais, mas sua legitimidade vem de ser imagem do próprio bem transcendente que atrai para si todas as coisas, difunde-se em todos os bens, e institui para si todas as causas.
E uma vez terminada essa obra, ofereço-a humildemente à glória da Trindade supersubstancial, superuníssima e superboa, Ela, que pela sua bondade criou todas as coisas, ilustrando-nos com sua luz, atraindo-nos com sua beleza, desejando-nos com seu amor, e que, segundo a justiça de sua distribuição boniforme, instituiu para si três hierarquias angélicas, e segundo a filantropia da salvação, encarnou-se pelo poder do Espírito Santo numa Virgem santa, imaculada e intocada por todo pecado, seja original, mortal ou venial, e morrendo na cruz, ressuscitou ao terceiro dia, está sentado à direita do Deus Pai Todo-poderosos, regendo junto à Virgem Maria todos os santos e anjos. A Ele ofereço o valor espiritual dessa minha obra, e suplico que o distribua a todos os seus leitores, para que sejam favorecidos com a Sua santíssima Sabedoria. Ofereço também essa minha obra a São Dionísio Areopagita, cuja sapiência me iluminou a todo momento, junto a Santo Tomás de Aquino, que me instruiu em toda ciência, e meu bom Anjo da guarda, que me ilustrou em todo entendimento
Ao Senhor Jesus seja dada toda honra e toda glória para sempre, amém.
⦁ Apêndice: resolução de dúvidas.
1. “Dizer que o bem do homem é a contemplação da verdade pressupõe certo intelectualismo? Não seria mais correto dizer ‘amar a Deus’?”
Resposta: tanto a contemplação da verdade quanto o amor a Deus são, nesta vida, o maior bem do homem, mas a contemplação simpliciter e o amor a Deus, secundum quid, à medida que Deus é maior do que nós podemos conhecê-lo nessa vida. Mas como o meu discurso procedia em relação ao maior bem simpliciter do homem, decidi por falar da contemplação da verdade, que, de fato, simpliciter antecede o amor, pois não se ama o que não se conhece, e o amor, dentre as manifestações do bem, é posto em terceiro lugar por São Dionísio, precedido pelo belo e pela luz, que é o fulgor inteligível da bondade.
2. “O senhor disse que os anjos são secundum quid Deus nos espíritos. Mas será que o universal material poderia ser causado mediante um anjo?”
Resposta: como os anjos são imitações dum Deus indivisível, imitam também tudo o que Deus é, inclusive sua supremacia sobre o mundo e sua causalidade teárquica. Logo, sim, os anjos podem ter uma causalidade sobre o mundo material – ainda assim, não qualquer tipo de causalidade, pois a imitação é sempre particular em relação ao imitado, e daí que a causalidade dos anjos sobre o mundo só é parcial. Por isso, os anjos nunca poderiam criar o mundo do nada, pois a criação é uma ação que se estende total, e não só parcialmente, ao causado. Por isso, nem os anjos poderiam inclinar uma coisa mais naturalmente a um fim que outro, pois a finalidade duma coisa se segue ao seu ser, e se os anjos não podem criar o ser da coisa, como sobredito, nem podem também imprimir a sua finalidade natural: o que podem fazer é ou imprimir uma finalidade artificial, utilizando a coisa para algo além da sua finalidade natural, ou assistir e executar a própria finalidade natural das coisas, à medida que a providência divina, que ordena todas as coisas, assim definiu.
3. “A definição que o senhor utilizou de nacionalismo é simplesmente ‘a disposição para amar e morrer pela sua pátria’?”.
Resposta: nacionalismo aqui significa certa parte da virtude da piedade, pela qual somos habitualmente ordenados a oferecer aos nossos superiores aquilo que lhes convém. Assim, nós temos a piedade filial, em relação aos pais, a piedade civil, a piedade patrial e a piedade nacional. À piedade patrial chamamos patriotismo, e à piedade nacional, nacionalismo. O amor e a disposição de morrer pela sua pátria e sua nação não constituem a essência do patriotismo, mas certa propriedade que resulta dela, assim como a piedade filial e o amor aos pais são coisas diversas. Daí também vem a diferença entre o patriotismo e a filopatria.
4. “Como pode a matéria, sendo pura potência, capaz de limitar a perfeição da forma?”
Resposta: a forma, considerada absolutamente, pode ser recebida em inúmeros sujeitos, mas é definida a um ou a outro pela recepção da matéria: uma vez que a forma é recebida numa matéria, e não em outra, é determinada só a esta e a mais nenhuma outra. Assim, a virtualidade formal, pela qual a forma é capaz de ser recebida em muitas coisas, é reduzida a um só objeto pela própria entidade potencial da matéria. Com efeito, pela sua entidade potencial, a matéria não pode ser recebida em mais nenhuma outra coisa, sendo o substrato último – e daí que dizemos que a matéria é o princípio da individuação, pois o indivíduo é aquele que não é recebido em nenhum outro, diferente do animal, que é recebido em inúmeras espécies.
Há ainda outros modos de limitação: a má disposição da matéria pode impedir uma operação apropriada da forma, mas a matéria nunca pode ser impedida por uma má disposição da forma, porque nem a matéria possui operações próprias, nem a forma, por si mesma, pode ser mal disposta.
5. “Será que deveríamos amar mais nossa etnia que o Estado, já que a etnia está mais próxima de nós que este?”
Resposta: a meu ver, devemos amar mais ao Estado que nossa etnia, pois a etnia, ao que parece, reduz-se mais à família que à pátria, pois há primeiro a raça que a pátria. Ora, a pátria e a nação devem ser mais amados que a nossa própria família, conforme as exigências da virtude da piedade. Por isso, ao que me consta, o Estado, a nação e a pátria devem ser mais amados que a nossa raça e etnia. Ainda assim, não se segue que por amarmos mais a nossa nação que a família, que devamos amar mais nossos conterrâneos que os nossos familiares, pois embora a ação da causa universal seja mais veemente e unida ao efeito último que a ação da causa particular, conforme dito no Livro das Causas, ainda assim, os efeitos da causa universal são mais dissimilares entre si que os efeitos da causa particular, e se o amor é segundo a união e similitude, os efeitos devem amar mais os efeitos mais próximos que os distantes, e amar mais a causa universal que a particular. Por exemplo, devemos amar mais a Deus que a nossa família, mas nem por isso mais toda criatura de Deus que qualquer parente nosso: não amamos mais uma pedra que um irmão.
6. “A autoridade emana de certa imitação de Deus, sendo assim, somente quando o autor das leis manifestar participação nessa ordem é que se detém uma verdadeira e real autoridade, e não só uma aparência de autoridade, e somente aí que devemos amar e obedecer tais ou tais leis, correto?”
Resposta: exatamente. Mas não é necessário que seja uma participação total, mas pelo menos no necessário e mais fundamental. Assim, a participação total do homem em Deus seria algo como Adão na justiça original, perdida a qual, não se perde a humana participação em Deus, mas sim uma perfeita participação.
7. “Logo, se um Estado for contra a etnia e, por extensão, contra a família, então não detém real autoridade, correto?”
Resposta: Deve-se responder com um toque de sal: se um estadista for contra a etnia e a família, o estadista não detém real autoridade. Com efeito, a autoridade do Estado vem não dele mesmo, mas daquele bem transcendente de que ele é primeira ressonância: suprimida a participação nesse bem, também se suprime a autoridade do Estado, assim como, caso o Nosso Senhor Jesus Cristo não existisse, não haveria autoridade para o episcopado do sumo pontífice. Ora, o bem por sua própria natureza procura difundir-se o mais possível e conservar aquilo no qual se faz presente. Por isso, se o estadista não conserva as cidades e as famílias, que são as últimas ressonâncias da bondade, já não participa mais da bondade, pois a bondade não pode contradizer a si mesma, destruindo-se a si mesma nas suas últimas participações. Nesse caso, o estadista seria ilegítimo, mas não o poder estatal em si, pois passado este a outro estadista que seja boniforme, ao menos no que é mais básico, não é que surgiria um novo Estado, mas o mesmo Estado que antes era ilegitimamente possuído por um impostor da bondade, digamos assim, agora é legitimamente possuído por um verdadeiro imitador do bem.
8. “Devemos amar nossa nação, mas somente quando ela está em consonância com o bem supremo, e, pela sua faculdade própria de bem comum, ordenar os bens abaixo dela. Então, não devo amar a bandeira do Brasil tanto quanto a bandeira de Portugal, pois aquela contém um lema positiva. Correto?”
Resposta: deve-se proceder com um toque de sal aqui. Devo amar minha nação, mas somente quando está em consonância com o bem supremo pelo menos no básico e mais fundamental, assim como devemos amar nossos pais, embora eles sejam pagãos e não tenham temor a Deus. Então como o lema positiva de nossa bandeira não remove de nossa nação a básica e primitiva participação do bem comum, eu sou, pela piedade nacional, obrigado a amar a bandeira brasileira bem mais que a de Portugal.
Autor: Dionísio Queiroz.
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